1001 faces no espelho.
Pelo menos umas mil vezes na vida, todos realizaram a ação de atentar à própria imagem refletida no espelho. Para alguns a mania, em que a excessividade predomina, para outros o comedimento, em que o efeito prático se estabelece. Independente das motivações, quando estamos defronte aquele objeto reluzente, um elemento torna-se principal: a imagem ali exposta.
É o João, Pedro, Joaquim. É a Ana, Cláudia, Maria. É o rosto com traços finos, bem detalhado e delicado, é a forma de contornos fortes, mais definida em seu semblante elevado. Seria o semblante sério, lábios cerrados e testa franzida, como também o aspecto alegre, olhos bem abertos com boca frouxa, querendo pronunciar algo? De tantas aparências que ali se apresentam, outras inúmeras maneiras de enxergá-las e compreendê-las.
Seria este objeto o enigma da imagem ou a expressão visual do espírito? Quem sabe alguma caixa de surpresas, ou o provável encontro do eu? Possivelmente, de todos estes pensamentos conseguirei vislumbrar além de um único sentido. Tocarei a superfície do abstrato, ouvirei a harmonia da experiência, irei exalar a fragrância das proximidades, sem antes provar o doce das paixões... E, por fim, conseguir notar tudo o que minha visão reter.
Parece complexo, e às vezes simples. Resumindo: a imagem projetada vai além do sentido visão, e não somos tão simples como ali aparenta ser.
Serei o elogio que enchera minha estima, como também a crítica que murchara as vagas esperanças. Serei aquele a quem foi dirigida a palavra de amor, sendo o oposto das injúrias que me fizeram desistir. Posso ser a idealização cantada, entretanto, o fruto do ruído entorpecente. Quem sabe a palavra. Quem sabe o verso. Quem dera se for contexto, pois serei o plano principal da ação.
Talvez estarei no aroma adocicado das flores, ou no odor fétido da fumaça. Por que não na brisa exalada de um crepúsculo? Na respiração que sai e vai, ofertando à vida o fôlego da existência? Possivelmente no perfume que deixei em sua lembrança, do cheiro que você jogou em minha paixão... Lembrarei a fungada em que todo o néctar fora tirado. Estarei feliz se for o odor predileto de algum pássaro.
Mas, e se eu for os sabores que provei? Aí então representarei o doce que foi provado ao longo da vida. Por outro lado representarei o fel, saboreado nos fracassos, este gosto tão desumano que nos foi apresentado. Além disso, poderei notar a tortuosa diferença entre viver açucaradamente e amargamente... Atentarei aos ingredientes.
Tocarei as formas que serei, mais ainda as que não pude apalpar. Há grandes chances de eu me tornar o abraço que lhe dei, melhor, o aperto que lhe entreguei. Este me fez continuar. No silêncio tentarei tocar todas as respostas que a mim negaram. E se eu sentir nas mãos o peso do perdão, decerto serei hoje o que não fui ontem, e amanhã serei o oposto do que sou agora. Todos os toques moldaram a percepção, pois encheram de textura, forma, comprimento, tudo o que eu não conhecia até aqui.
E no final, quando eu paquerar a imagem oculta em reflexos, serei tudo aquilo que vivi, sonhei, cantei... Misto de sentidos, seres e objetos, que fizeram de mim o resultado figurado desta harmoniosa junção.
Rodrigo.
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